Desafio no enfrentamento a garimpos ilegais inclui dar alternativas de emprego e renda à população, trazer povos tradicionais para integrar estratégias e exigir leis mais rigorosas na exploração mineral.
Por Lissa de Alexandria, g1 Pará — Belém
Um dos grandes desafios quando se fala de desenvolvimento sustentável na Amazônia é o enfrentamento às atividades ilegais, que dificultam o crescimento de práticas regulamentadas, além de contribuírem para outras problemáticas sociais, como o tráfico de drogas, a prostituição e crimes fiscais. O assunto esteve em pauta na Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, evento realizado em Belém, cidade que sediará também a COP 30.
Sócio de uma empresa que presta consultoria para nova agenda global, Caio Favaretto fez um aparato geopolítico para chegar ao atual contexto voltado à Amazônia.
Para ele, o mundo vive em uma “crise de governança”, o que inclui, por exemplo, a integração de novos países ao grupo de países emergentes, o BRICS, os quais possuem recursos naturais e grandes comércios, como o petróleo, por exemplo.
“Tem um critério estratégico por trás dessa escolha”, disse Favaretto, citando a aproximação da China com a Arábia Saudita e Irã, somado ao Canal de Suez, da Etiópia. “Parece um desenho por trás do petróleo”, completou.
A entrada da Argentina também foi criticada, país que é grande produtor de cereais.
“Existe uma crise na soberania alimentar e consequentemente, migratória, o que se soma a dois eventos ocorridos nas duas últimas semanas, o golpe no Níger e o golpe no Gabão, que são dois exportadores de urânio. Isto quer dizer que por trás desses eventos globais estão se desenhando formas de proteger os recursos naturais, e é este o contexto que o Brasil enfrenta”.
“Momento de crise é momento de oportunidade”, lembrou Caio.
No combate, fiscalização não é o fim
O diretor de Fiscalização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Tobias Brancher, pontuou que, no caso da mineração, antes de chegar no ouro ilegal, atua também uma cadeia ilegal, que percebe a atuação da fiscalização e encontra novas formas de permanecer nas regiões.
“Percebemos que durante a troca das equipes nas operações de fiscalização, as pessoas envolvidas no garimpo ilegal retornavam aos locais e retomavam as atividades, por isso temos a necessidade de reavaliar de forma contínua as estratégias”, disse.
O diretor comentou ainda a necessidade de se pensar além da medida coibitiva, já que em municípios paraenses a economia gira entorno da atividade garimpeira, e muitas vezes, de forma ilegal.
“A gente precisa combater para poder chegar com outras políticas públicas e tentar mudar a mentalidade da população local em direção a uma economia com base sustentável, dando alternativas para elas”, complementou.
Doutora em Energia pela Universidade de São Paulo (USP), Larissa Rodrigues, disse que no caso do ouro, os crimes existentes não são pontuais e sim, estruturais.
“No ouro tem evidências de que metade da produção brasileira tem indícios de ilegalidade, imagina o impacto no meio ambiente, na vida das pessoas e também para quem está fazendo certo”, pontuou.
Rodrigues lembrou da “presunção da boa-fé” prevista em lei que permitia a venda do ouro sem comprovação de origem do minério.
Em junho deste ano, o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei com regras mais rígidas para o comércio de ouro, como a exigência de nota fiscal eletrônica, o registro de aquisições de ouro por instituições financeiras, além de exigir que a primeira venda seja feita apenas pelo titular da permissão de lavra garimpeira e com o registro no sistema da Agência Nacional de Mineração. O PL também acaba com a presunção da “boa-fé”.
“Por um lado, a gente batalha para ter a lei cumprida e às vezes essas leis são mudadas para proteger o ilícito. Apesar dos esforços, a gente não consegue responder de onde vem o ouro do Brasil e por isto estamos sujeitos a comprar ouro de áreas ilegais. Precisamos fazer com o que o consumidor consuma de quem produz direito”.
A representante do Instituto Escolhas pontuou ainda a questão do uso do mercúrio que contamina rios da Amazônia e tem se tornado um problema de saúde pública.
“Um terceiro pronto é a questão regulatória como um todo. O ouro é o único mineral que tem regulação diferenciada, com outras pedras não é assim e isso também leva à ilegalidade”, disse.
Para ela, a rastreabilidade é fundamental para responsabilizar e punir. A cadeia do ouro permite vários intermediários, o que dificulta ainda mais a punição de quem trabalha de forma irregular.
Proteção territorial, tecnologia e representatividade no enfrentamento à ilegalidade
O diretor de Acesso à Justiça e Mediação de Conflitos do Ministério da Justiça, Jonata Galvão, também participou da mesa e disse que esforços estão direcionados à proteção territorial para que se torne política pública e tenha plano orçamentário para ser executado.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi convidado para o painel, mas não compareceu presencialmente. Ele enviou um vídeo para o evento.
No estado do Pará, o diretor de Fiscalização da Semas disse que o sensoriamento remoto avançou na região, o que gerou pressão e questionamentos.
“Temos acesso às imagens de satélite de onde ocorre as ilegalidades, então somos questionados ‘por que vocês não combatem?’, porque além das ferramentas, da tecnologia em si, precisa de um trabalho humano para chegar no verdadeiro culpado”, disse.
Brancher pontua que é necessário que empresas que compram ouro não adquiram a produção de áreas embargadas e que os órgãos de investigação cheguem em um processo de sequestro de bens, por exemplo, para de fato a coibição seja efetiva.
Para Caio Favaretto, o que destacaria o Brasil no processo de combate ao ouro ilegal seria ouvir e dar protagonismo às populações tradicionais.
“Os Munduruku têm papel fundamental no combate a garimpos ilegais. Temos tecnologias, mas é importante trazer para o combate essa população”.
Fonte: G1