Entendimento é de especialistas em direito criminal ouvidos pelo SBT News; saiba mais sobre lei antiterrorismo
O ataque golpista do dia 8 de janeiro, quando bolsonaristas inconformados com a derrota nas eleições presidenciais invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, no Distrito Federal, não deve ser enquadrado na Lei Antiterrorismo. É o que dizem especialistas ouvidos pelo SBT News na última semana.
Embora tenha sido citada na decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, em que ele afastou o governador do DF, Ibaneis Rocha, e tomou outras medidas após os atos na capital do país, a Lei Antiterrorismo não tem aplicação no chamado ‘terrorismo político’. E isso tem ligação com o momento em que ela foi debatida e criada.
Criação da lei 13.260/2016
A lei 13.260, conhecida como Lei Antiterrorismo, foi um dispositivo criado em 2016, no bojo de grandes eventos — como os Jogos Olímpicos — que ocorriam no Brasil naquele período, para regulamentar e reformular o conceito de organização terrorista.
Ela prevê, em seu artigo 2º, pena de 12 a 30 anos de prisão para quem “provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”, mas somente quando for praticada por “razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”.
De acordo com o presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB de São Paulo, Caio Mendonça Ribeiro Favaretto, como a legislação foi criada para combater o terrorismo em grandes eventos, o foco dela acabou sendo os ataques por discriminação — de religião, de cor ou de país.
Para Favaretto, faltou ao texto da lei englobar a motivação política como razão para os atos terroristas. Essa ausência gera a impossibilidade da aplicação da lei aos golpistas de Brasília, porque segundo ele, a Justiça deve fazer uma “interpretação detida na ‘letra da lei’ do direito penal”.
Motivações e legislação
O professor de direito constitucional Fabio Tavares Sobreira também afirma que não é possível tipificar os crimes cometidos no dia 8 como terrorismo, por falta de adequação jurídica.
“Sem uma das motivações citadas não é possível falar em ‘atos terroristas’ pela falta de adequação jurídica. O princípio constitucional da legalidade e da tipicidade devem ser observados rigorosamente no Estado Democrático de Direito”, afirmou Sobreira.
Há, entretanto, um conjunto de outros artigos e leis que, de acordo com o advogado, podem ser aplicados. Entre eles estão a lei de crimes contra o Estado Democrático de Direito (14.197/2021), que define em seu artigo 359-M o crime de golpe de Estado como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, com pena de reclusão de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência.
Além dessa lei, os criminosos que invadiram os Três Poderes podem ser enquadrados em crimes acessórios, como o de dano a patrimônio público, invasão e incitação ao crime. Mas em nenhum dos casos, crimes aplicados ao chamado ‘terrorismo político’.
“Não temos uma legislação perfeitamente adequada para aplicação em hipóteses de terrorismo político”, diz Favaretto.
Outro especialista procurado, o doutor em direito constitucional Acacio Miranda da Silva Filho, também corrobora com essa ideia. “Será mais facilmente comprovada a prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito”, diz ele.
Reproduzido de SBT News